sábado, 16 de janeiro de 2010

Operação de socorro é um pesadelo de logística

The Wall Street Journal - O único porto do país foi destruído. O aeroporto já está lotado. Os hospitais, em ruínas. Até o presidente não tem onde morar. Porto Príncipe é uma capital sem telefone nem eletricidade.
Governos e agências mundiais de socorro corriam ontem para vencer os terríveis desafios para resgatar a população do Haiti, assolada por um forte terremoto.
Ontem, enquanto militares e equipes de resgate começavam a chegar dos Estados Unidos, Brasil e de outros países, veteranos de outros desastres naturais diziam que a trágica realidade do terremoto haitiano o diferencia de várias outras calamidades, como o tsunami de 2004 que devastou comunidades na costa do Oceano Índico e matou cerca de 250 mil pessoas.
"Há muitos aspectos que tornam esta uma situação especialmente complicada", disse Steve Hollingworth, diretor operacional da ONG internacional de operações de socorro Care, sediada em Atlanta, nos Estados Unidos.
Hollingworth e outros veteranos de resgates após tragédias naturais apontam o quase inexistente governo haitiano, a combalida infraestrutura do país e o fato de que o terremoto devastou a capital como alguns dos principais desafios que vão atrapalhar os esforços de socorro nos próximos dias e semanas. Outro problema é a extrema pobreza do país e seu histórico de violência.
"Quando a capital de um país é dizimada, você perde muito em termos de preparação e organização", disse Randy Martin, chefe de operações mundiais de emergência da Mercy Corps International. "Esse será um verdadeiro desafio."
Militares e equipes de socorro começaram a esbarrar em obstáculos enormes para levar mantimentos e pessoal ao país, mais de dois dias após o terremoto. A Cruz Vermelha do Haiti calcula que 45 mil a 50 mil o número de mortos.
Especialistas militares dos EUA restabeleceram as comunicações no aeroporto de Porto Príncipe, mas a falta de combustível e o espaço acanhado levaram o governo do Haiti a barrar o pouso de novos voos. Embora uma pista de decolagem esteja operacional, a torre de controle só conseguia atender a quatro aviões de cada vez, disseram empresas de logística.
"Sem a torre, imagino que qualquer coisa que seja transportada por via aérea provavelmente terá de ser durante o dia", disse Ed Martinez, diretor de filantropia e relações empresariais da UPS Foundation. A empresa americana de encomendas expressas está transportando suprimentos da Unicef, da Care e outras agências de socorro.
O terremoto também destruiu o principal porto de Porto Príncipe, criando um sério obstáculo para levar suprimentos em navios.
O porto "desmoronou e não está operacional", disse Mary Ann Kotlarich, da Maersk Line. A principal doca está parcialmente submersa. Os guindastes que moviam os contêineres estão debaixo d’água ou extremamente empenados.
O caos no porto é um grande obstáculo para os esforços de socorro ao país, já que deixa a Marinha dos EUA e outros navios de suprimentos sem ter onde atracar. Várias empresas marítimas estão tentando desenvolver soluções temporários. "Até o momento não se propôs nada que realmente seja uma solução", disse Mark Miller, da Crowley Maritime, uma empresa de frete marítimo de Jacksonville, na Flórida, que tem uma rede extensa de logística no Caribe.
Grupos de socorro e governos mundiais também estão lutando para coordenar as operações em meio ao vácuo de autoridade no governo haitiano. O colapso do palácio presidencial deixou o presidente René Préval sem ter onde morar. Muitos dos ministros e principais parlamentares do país ainda estão desaparecidos.
Como os serviços de telefonia continuavam sem funcionar, o presidente dos EUA, Barack Obama, não conseguiu falar com Préval ontem - num exemplo das dificuldades que serão enfrentadas ao se tentar coordenar o socorro sem o auxílio de telefones.
Autoridades do governo Obama disseram que estão trabalhando para restaurar o mais rapidamente possível pelo menos um serviço limitado de telefonia móvel. A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse ao canal de notícias Fox News que o principal objetivo dos esforços americanos de socorro é "assegurar a autoridade" e "restabelecer o governo" no Haiti.
Louis Belanger, porta-voz do grupo humanitário Oxfam International, disse que o socorro está sendo atrapalhado imensamente pela falta de um meio de as pessoas se comunicarem eletronicamente.
"As autoridades locais têm criticado muito as operações de socorro, mas, para ser sincero, se conseguíssemos estabelecer alguma comunicação, as coisas andariam muito mais rápido", disse Belanger pelo telefone na fronteira entre o Haiti e a República Dominicana. "É extremamente difícil sem linhas fixas, internet ou celular."
Os grupos de socorro também alertaram para uma possível escalada de violência e tumultos, num país em que as armas são amplamente disseminadas e o colapso da principal penitenciária libertou centenas de criminosos. Saqueadores teriam invadido ontem pelo menos um armazém de alimentos - um ato que as agências de socorro temem que pode ocorrer mais se as condições piorarem.
"O principal problema que vai surgir logo é a falta de lei", disse Hollingworth, da Care. "Já há muita criminalidade no Haiti."
Um dado positivo é que várias organizações de socorro já têm uma presença considerável no Haiti. Depois que uma série de furacões arrasou a ilha, em 2008, grupos americanos de socorro armazenaram grandes quantidades de alimentos e outros suprimentos no Haiti, assim como na vizinha República Dominicana.
Mas o terremoto dizimou muitas das operações desses grupos, dispersando e até matando seus funcionários. O colapso do quartel-general da ONU e a morte de ao menos 36 funcionários da ONU, incluindo o chefe da missão de paz no país, já está atrapalhando os esforços de socorro, disseram autoridades das agências de socorro.
Essas autoridades disseram ainda que as lições aprendidas no tsunami de 2004 estão ajudando a agilizar a coordenação entre os grupos de socorro e o governo americano, apesar da dificuldade inicial de levar pessoas e equipamentos ao país. Oxfam, Care, Mercy Corps e outros grupos gastaram boa parte do dia de ontem tentando determinar como vão dividir diversas tarefas, que vão de criar empregos e saneamento a construir abrigos temporários.
Os grupos gostariam muito de evitar uma dor de cabeça que já assolou outros locais de tragédias naturais: a chegada de centenas de toneladas de roupas, enlatados e remédios desnecessários.
FONTE: Valor Econômico

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